terça-feira, 5 de abril de 2016

Predizendo falhas de extubação: o que tem de novo?

            Fracasso de extubação previamente planejada, ocorre em cerca de 15% dos casos e está associada a maus resultados, incluindo alta taxa de mortalidade, sendo cerca de 25 a 50% segundo estudos. Desenvolver estratégias que identifiquem os pacientes com alto risco de falhar é essencial para melhorar desfechos.
            Vários trabalhos descobriram que pacientes com distúrbios neurológicos (em destaque o delírio), tosse ineficaz, grande quantidade de secreção, idade maior que 65 anos e doença respiratória crônica e/ou cardíaca associadas, prediziam fortemente uma falha de extubação. No entanto, o papel respectivo do delírio, da força muscular e do desempenho do ventrículo esquerdo (VE) nunca foram sistematicamente avaliadas em conjunto. Além disso, a previsão dos cuidadores em relação ao sucesso da extubação, surpreendentemente, também nunca foi avaliada.
            Um estudo intitulado “Risk Factors for and Prediction by Caregivers of Extubation Failure in ICU Patients: A Prospective Study” realizado por Arnaud W. Thille e colaboradores, no hospital universitário Henri Mondor, na França, se propôs a avaliar no período de novembro de 2010 a abril de 2012 os pacientes que possuíssem alto risco de falha de extubação, incluindo indicadores pouco estudados, tais como: paresia, delírio, disfunção ventricular esquerda e a precisão da previsão de falha de extubação pelos cuidadores.
            Durante o período de estudo, 533 pacientes receberam ventilação mecânica invasiva na UTI e 310 foram submetidos a uma extubação programada. Após a exclusão de 66 pacientes, 225 foram incluídos nesta análise. Todos os pacientes foram rastreados durante as manhãs, preenchendo uma lista de verificação com critérios pré-definidos de desmame (check-list): paciente acordado, (sem infusão contínua de sedação), a SpO2 ≥ 90% com FiO2 ≤ 40% e pressão positiva no final da expiração (PEEP) inferior ou igual a 5 cm de H2O, e sem necessidade de drogas vasoativas.
            Após realizado check-list, utilizou-se um nível baixo de pressão de suporte (PS: 7-10 cmH2O) de forma sistemática a todos os pacientes que preencheram tais critérios. Contudo, as tentativas de desmame foram sempre realizadas sem PEEP para desmascarar insuficiência cardíaca ventricular esquerda subjacente. Ao final, um teste de permeabilidade foi sistematicamente feito antes da extubação e terapia com esteróides administrados durante 24 horas antes da extubação quando nenhum vazamento ocorreu.
            A falha do teste de desmame foi definida como o desenvolvimento, dentro de 1 hora, de qualquer um dos seguintes marcadores: FR ˃ 35 ipm, aumento da atividade muscular acessória, SpO2 abaixo de 90% (em FiO2 40%), frequência cardíaca acima de 130 bpm, pressão arterial sistólica inferior a 90 mmHg ou mais que 180 mmHg, maior dispneia ou agitação e estado mental rebaixado.
            Dentro das primeiras 24 horas após extubação, a ventilação não invasiva profilática foi rotineiramente aplicada durante pelo menos 6 horas em todos os pacientes com 65 anos ou mais e aqueles que possuíssem qualquer doença respiratória crônica e/ou cardíaca associada. Na literatura, o intervalo de tempo utilizado para definir falha de extubação varia entre 48 horas, 72 horas e até uma semana. Pacientes submetidos à extubação planejada foram classificados de acordo com a dificuldade do seu processo de desmame em: simples, difícil, ou prolongado.
No dia da extubação planejada, foi avaliada a eficácia da tosse, assim como também outros critérios: delírio, em que a       enfermeira encarregada utilizou o “Checklist de cuidados intensivos de triagem do Delirium”, definindo-o como uma pontuação ≥ 4, função cardíaca, a qual foi sistematicamente avaliada por um ultrassonografista da equipe da UTI (disfunção sistólica ventricular esquerda foi definida como a fração de ejeção ventricular esquerda inferior a 45% e disfunção grave como uma FEVE inferior ou igual a 30%), presença de hipercapnia através da análise de gasometrias arteriais coletadas antes e no final do teste de desmame e, severidade da disfunção orgânica foi medida utilizando a pontuação do Sequential Organ Failure Assessment (SOFA).
No momento da extubação, o risco de falha foi avaliado pelos profissionais de saúde, usando uma escala de cinco itens (0: risco muito baixo; 1: baixo; 2: intermediário, 3: alto e 4: muito alto). Os pacientes foram considerados de alto risco de falha de extubação para uma pontuação prevista de 3 ou 4.
As taxas de falha de extubação em caso de "desmame simples", "desmame difícil" e "desmame prolongado" foram de 11%, 13% e 39%, respectivamente (p = 0,005). Em análise multivariada, três fatores independentes para falha de extubação foram vistos: duração da ventilação mecânica maior que sete dias antes da extubação, tosse ineficaz e disfunção sistólica ventricular esquerda grave. Entre os pacientes que não apresentavam esses três fatores de risco, a taxa de falha na extubação foi de apenas 5%. Os terapeutas previram o fracasso com uma especificidade elevada, mas com uma baixa sensibilidade (isto é, a maioria dos pacientes que falharam na extubação não tinha sido considerada de alto risco).
Sendo assim, vários estudos mostraram que a eficácia da tosse pode estar associado à falha de extubação. Em estudos utilizando pico de fluxo expiratório para avaliar a força da tosse, pacientes que têm um valor de pico de fluxo expiratório baixo possuiam alto risco de falha de extubação, com taxas de reintubação de cerca de 25%.
Delírio é frequente na UTI e pode promover falha de extubação através de alteração de consciência, agitação e sedação subsequente, broncoaspiração e descumprimento de tratamentos, incluindo uso de VNI. No entanto, o papel do delírio na falha de extubação não tinha sido avaliado. Embora tenha se encontrado uma taxa de reintubação de 22% em pacientes com delírio, esta variável não foi significativamente associada à falha de extubação após o ajuste.
No entanto, apesar do respectivo papel da disfunção sistólica e diastólica no resultado da extubação também nunca ter sido avaliado antes, no estudo em questão descobriu-se que a disfunção sistólica grave foi independentemente associada à falha de extubação, mas não com o fracasso precoce. Assim, a manutenção de um balanço hídrico negativo após a extubação em pacientes com disfunção sistólica pode ter o potencial de mitigar a falha final de extubação.
Dentre as limitações deste trabalho destacam-se: o mesmo foi realizado em um único centro, os desmames foram realizados utilizando PS que reduz o trabalho da respiração e a pressão de enchimento do VE, em comparação com teste de respiração espontânea com peça em T. Apesar de a PEEP ter sido sistematicamente removida para desmascarar disfunção de VE latente, não podemos excluir que o uso de assistência ventilatória aumentou o papel da disfunção sistólica na subsequente falha de extubação; a principal limitação do estudo é o pequeno número de pacientes com falha de extubação. De fato, fracasso de extubação planejada é relativamente incomum; na maior pesquisa sobre desmame realizada por Peñuelas e colaboradores, publicada na American Journal Respiratory Critical Care Medicine em 2011, o número de pacientes que necessitaram de reintubação representavam apenas 7% de todos os pacientes entubados na UTI. Portanto, uma grande rede de vários centros ajudaria na identificação com maior precisão dos fatores de risco para falha de extubação.
Então, as três variáveis ​​identificadas neste estudo foram fortemente associadas à falha de extubação. Avaliação cuidadosa da força da tosse e da FEVE antes da extubação, especialmente em pacientes que receberam ventilação mecânica prolongada, poderia permitir uma melhor identificação dos pacientes de alto risco de insucesso de extubação, podendo alguns dos quais se beneficiarem da VNI profilática e/ ou diuréticos no período pós-extubação. Em minha vivência na terapia intensiva, tenho percebido o impacto dessas três variáveis em destaque no estudo; o tempo de ventilação mecânica prolongado, trazendo todas as suas implicações na lesão diafragmática e pulmonar, como já descrito anteriormente em artigos e até em resenhas publicadas pelo grupo FITI, nos chama à atenção para retirada da prótese ventilatória o mais cedo possível, o que, a meu ver, não seria precoce (como muitos chamam), já que o sentido do termo quer dizer antes do tempo certo; em relação a pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, a experiência tem mostrado a importância de se ter um acompanhamento do balanço hídrico a fim de zerar ou negativar o mesmo para que haja uma diminuição da sobrecarga cardíaca, a qual também é minimizada com o uso da pressão positiva (que, assim que possível, será descontinuada); temos tido sucesso com a substituição da ventilação mecânica invasiva pela não-invasiva de maneira contínua até que haja o ajuste de drogas (diuréticos, inotrópicas...) em busca de uma melhor função cardíaca para, aí então, descontinuar a VNI. Portanto, todos os marcadores que tenham impacto na diminuição da falha de extubação não devem ser negligenciados, pois, reintubação aumenta mortalidade.

Rodrigo A. Arruda – Fisioterapeuta.

“Risk Factors for and Prediction by Caregivers of Extubation Failure in ICU Patients: A rospective Study*” Arnaud W. Thille, MD, PhD1,2,3; Florence Boissier, MD3; Hassen Ben Ghezala, MD3; Keyvan Razazi, MD3; Armand Mekontso-Dessap, MD, PhD3; Christian Brun-Buisson, MD3; Crit Care Med 2015; 43:613–620.


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