ASSINCRONIA PACIENTE VENTILADOR: O BÁSICO, O ÓBVIO, MAS IMPRESCINDÍVEL
A interação paciente ventilador talvez seja um dos principais desafios da equipe de cuidados, dentro da unidade de terapia intensiva, quando da condução dos pacientes em assistência ventilatória mecânica (AVM). Salienta-se que a AVM destina-se a dar suporte terapêutico momentâneo, melhorando a troca gasosa do paciente, poupando a utilização da musculatura respiratória na medida que ganha tempo para recuperar-se a ponto de iniciar mais uma etapa chamada desmame. Nesse contexto durante a nossa abordagem rotineira, nos deparamos com as assincronias responsáveis por vezes em dificultar o reconhecimento de padrões ventilatórios típicos, com mudanças cíclicas na pressão intratorácica alterando variáveis hemodinâmicas e a mecânica ventilatória.
Os compartimentos: central e o periférico
Para melhor analisar as bases da formação da assincronia paciente-ventilador, um modelo unificado de árvore traquebrônquica e parênquima pulmonar formando um compartimento central e outro periférico e dispostos em série, é aqui proposto. A pressão no centro do compartimento (PCC) pode ser calculada como o volume no compartimento central (VCC) multiplicado pela elastância (inverso da complacência) do compartimento central (ECC). Da mesma maneira, a pressão no compartimento periférico (PCP) pode ser calculada multiplicando-se o volume no compartimento periférico (VCP) pela elastância do compartimento periférico (ECP).
Durante a inspiração, a PCC é maior do que e PCP logo o fluxo de ar é direcionado a partir do compartimento central para o compartimento periférico. Na fase expiratória, a musculatura inspiratória reduz progressivamente sua taxa de contração permitindo o recuo elástico do sistema respiratório para aumentar a PCP invertendo o gradiente de pressão entre os compartimentos.
Disparo do ventilador e esforços inspiratórios ineficazes
O ventilador dispara iniciando o ciclo ventilatório quando uma determinada queda de pressão das vias aéreas (ou desvio de fluxo) é atingida. Como o paciente não pode modificar diretamente o comportamento do “compartimento central”, essa mudança de pressão (ou fluxo) é determinada por alterações no compartimento periférico.
A contração da musculatura inspiratória aumenta o tamanho do compartimento periférico (reduz a ECP) produzindo uma queda na PCP, resultando num gradiente de pressão entre os compartimentos, direcionando o fluxo aéreo para a periferia vencendo a resistência das vias aéreas e reduzindo a PCC, “disparando” o ventilador.
Se o esforço inspiratório começa antes da capacidade residual funcional ter sido alcançada (p. ex. auto-PEEP), a primeira parte do esforço inspiratório será desperdiçada na tentativa de equalizar pressões, consequentemente, se o esforço não conseguir vencer a auto-PEEP, temos um esforço inspiratório ineficaz que não resulta em alteração do volume do compartimento central. O esforço inspiratório ineficaz é a forma mas comum de assincronia e pode resultar no empilhamento de duas expirações sem nenhuma inspiração entre as mesmas.
A assincronia de fases
Na assincronia de fases há uma incompatibilidade entre o início (assincronia disparo) ou no fim (assincronia de ciclagem) entre o tempo inspiratório do paciente (Tip) e o do ventilador (Tiv). Durante assincronia de disparo, existe um atraso entre o esforço do paciente e o disparo para iniciar o ciclo inspiratório, ofertado pela máquina. Já na assincronia de ciclagem, o Tip pode ser mais curto ou mais longo do que Tiv. Se Tip < Tiv, o paciente começa a expirar quando a via aérea ainda está pressurizada. Alguns ventiladores disponibilizam de válvulas exalatórias ativas que detectam esse tipo específico de assicronia e prontamente abrem seus mecanismos permitindo o paciente exalar antes do Tiv ser alcançado.
Se Tip > Tiv, a musculatura inspiratória do paciente ainda está em atividade, porém o ventilador deixa de entregar o fluxo inspiratório abrindo de imediato a válvula exalatória, o paciente deixa de ser atendido durante sua inspiração.
O disparo reverso
Descrito há 30 anos, essa assincronia é determinada quando o centro respiratório do paciente é ativado em resposta a uma insuflação passiva dos pulmões, com o esforço inspiratório do paciente começando algum tempo após o início da Tiv, mantidos ainda após o final do Tiv. Esse é mais um mecanismo contribuinte com as assincronias de fases.
Assincronia e modos ventilatórios
Ajustes adequados nas taxas de fluxos, modos com o mínimo nível de assistência, emprego da pressão de suporte o quanto antes ou mesmo a utilização de modos de assistência proporcionais parecem estar relacionados com uma melhor interação paciente-ventilador. É a busca da ventilação mecânica mais fisiologicamente correta, embora saibamos que o emprego da pressão positiva por si só é contra-fisiológica.
Sedação e assincronia
Diferentes drogas sedativas podem afetar o padrão ventilatório, diminuindo o esforço muscular inspiratório durante a ventilação mecânica. Em contrapartida, alguns trabalhos tem associado um nível de sedação mais profundo com a ocorrência de esforços inspiratórios ineficazes. Estudos evidenciaram que mudar para o PSV ou ajustes no tempo inspiratório foram muito mais atuantes na redução dos esforços ineficazes do que o ajuste da dose de sedação. Muitas vezes, digo, na maioria das vezes, sedar não é a solução.
Cada vez mais ferramentas nos permitem a identificação com posterior correção imediata das assincronias, inclusive prevenindo-as, possibilitando uma melhor interação paciente-máquina, as monitorizações gráficas são simples exemplos, mas de nada servem se não soubermos interpretá-las.
Num futuro, quem sabe teremos modos ventilatórios providos de algoritmos classificadores baseados em redes neurais treinadas, auxiliando na condução dos pacientes em AVM especificamente minimizando a assincronia e acelerando o processo de desmame, num futuro, quem sabe?
Por Alexandre Roque – Fisioterapeuta.
Baseado na revisão: Patient-ventilator asynchrony. Murias G, Lucangelo U, Blanch L Curr Opin Crit Care. 2016 ;22(1):53-9.
Baseado na revisão: Patient-ventilator asynchrony. Murias G, Lucangelo U, Blanch L Curr Opin Crit Care. 2016 ;22(1):53-9.
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