Predizendo falhas de extubação: o que
tem de novo?
Fracasso de extubação previamente
planejada, ocorre em cerca de 15% dos casos e está associada a maus
resultados, incluindo alta taxa de mortalidade, sendo cerca de 25 a 50% segundo
estudos. Desenvolver
estratégias que identifiquem os pacientes com alto risco de falhar é
essencial para melhorar desfechos.
Vários trabalhos descobriram que
pacientes com distúrbios neurológicos (em destaque o delírio), tosse ineficaz,
grande quantidade de secreção, idade maior que 65 anos e doença respiratória
crônica e/ou cardíaca associadas, prediziam fortemente uma falha de extubação.
No entanto, o papel respectivo do delírio, da força muscular e do desempenho do
ventrículo esquerdo (VE) nunca foram sistematicamente avaliadas em conjunto.
Além disso, a previsão dos cuidadores em relação ao sucesso da extubação,
surpreendentemente, também nunca foi avaliada.
Um estudo intitulado “Risk Factors
for and Prediction by Caregivers of Extubation Failure in ICU Patients: A
Prospective Study” realizado por Arnaud W. Thille e colaboradores, no hospital
universitário Henri Mondor, na França, se propôs a avaliar no período de novembro
de 2010 a abril de 2012 os pacientes que possuíssem alto risco de falha de
extubação, incluindo indicadores pouco estudados, tais como: paresia, delírio,
disfunção ventricular esquerda e a precisão da previsão de falha de extubação
pelos cuidadores.
Durante o período de estudo, 533
pacientes receberam ventilação mecânica invasiva na UTI e 310 foram submetidos
a uma extubação programada. Após a exclusão de 66 pacientes, 225 foram
incluídos nesta análise. Todos os pacientes foram rastreados durante as manhãs,
preenchendo uma lista de verificação com critérios pré-definidos de desmame (check-list):
paciente acordado, (sem infusão contínua de sedação), a SpO2 ≥ 90% com FiO2 ≤
40% e pressão positiva no final da expiração (PEEP) inferior ou igual a 5 cm de
H2O, e sem necessidade de drogas vasoativas.
Após realizado check-list,
utilizou-se um nível baixo de pressão de suporte (PS: 7-10 cmH2O) de forma
sistemática a todos os pacientes que preencheram tais critérios. Contudo, as
tentativas de desmame foram sempre realizadas sem PEEP para desmascarar
insuficiência cardíaca ventricular esquerda subjacente. Ao final, um teste de
permeabilidade foi sistematicamente feito antes da extubação e terapia com
esteróides administrados durante 24 horas antes da extubação quando nenhum
vazamento ocorreu.
A falha do teste de desmame foi
definida como o desenvolvimento, dentro de 1 hora, de qualquer um dos seguintes
marcadores: FR ˃ 35 ipm, aumento da atividade muscular acessória, SpO2 abaixo
de 90% (em FiO2 40%), frequência cardíaca acima de 130 bpm, pressão arterial
sistólica inferior a 90 mmHg ou mais que 180 mmHg, maior dispneia ou agitação e
estado mental rebaixado.
Dentro das primeiras 24 horas após
extubação, a ventilação não invasiva profilática foi rotineiramente aplicada
durante pelo menos 6 horas em todos os pacientes com 65 anos ou mais e aqueles
que possuíssem qualquer doença respiratória crônica e/ou cardíaca associada.
Na literatura, o intervalo de
tempo utilizado para definir falha de extubação varia entre 48 horas, 72 horas
e até uma semana. Pacientes submetidos à extubação planejada foram
classificados de acordo com a dificuldade do seu processo de desmame em:
simples, difícil, ou prolongado.
No
dia da extubação planejada, foi avaliada a eficácia da tosse, assim como também
outros critérios: delírio, em que a enfermeira
encarregada utilizou o “Checklist de cuidados intensivos de triagem do
Delirium”, definindo-o como uma pontuação ≥ 4, função cardíaca, a qual foi
sistematicamente avaliada por um ultrassonografista da equipe da UTI (disfunção
sistólica ventricular esquerda foi definida como a fração de ejeção ventricular
esquerda inferior a 45% e disfunção grave como uma FEVE inferior ou igual a 30%),
presença de hipercapnia através da análise de gasometrias arteriais coletadas
antes e no final do teste de desmame e, severidade da disfunção orgânica foi
medida utilizando a pontuação do Sequential Organ Failure Assessment (SOFA).
No
momento da extubação, o risco de falha foi avaliado pelos profissionais de
saúde, usando uma escala de cinco itens (0: risco muito baixo; 1: baixo; 2:
intermediário, 3: alto e 4: muito alto). Os
pacientes foram considerados de alto risco de falha de extubação para uma
pontuação prevista de 3 ou 4.
As
taxas de falha de extubação em caso de "desmame simples",
"desmame difícil" e "desmame prolongado" foram de 11%, 13% e
39%, respectivamente (p = 0,005). Em análise multivariada, três fatores independentes para falha
de extubação foram vistos: duração da ventilação mecânica maior que sete dias
antes da extubação, tosse ineficaz e disfunção sistólica ventricular esquerda
grave. Entre os pacientes que não apresentavam esses três fatores de risco, a
taxa de falha na extubação foi de apenas 5%. Os terapeutas previram o fracasso
com uma especificidade elevada, mas com uma baixa sensibilidade (isto é, a
maioria dos pacientes que falharam na extubação não tinha sido considerada de
alto risco).
Sendo
assim, vários estudos mostraram que a eficácia da tosse pode estar associado à
falha de extubação. Em estudos utilizando pico de fluxo expiratório para
avaliar a força da tosse, pacientes que têm um valor de pico de fluxo
expiratório baixo possuiam alto risco de falha de extubação, com taxas de
reintubação de cerca de 25%.
Delírio
é frequente na UTI e pode promover falha de extubação através de alteração de
consciência, agitação e sedação subsequente, broncoaspiração e descumprimento
de tratamentos, incluindo uso de VNI. No entanto, o papel do delírio na falha
de extubação não tinha sido avaliado. Embora tenha se encontrado uma taxa de
reintubação de 22% em pacientes com delírio, esta variável não foi
significativamente associada à falha de extubação após o ajuste.
No
entanto, apesar do respectivo papel da disfunção sistólica e diastólica no
resultado da extubação também nunca ter sido avaliado antes, no estudo em
questão descobriu-se que a disfunção sistólica grave foi independentemente
associada à falha de extubação, mas não com o fracasso precoce. Assim, a
manutenção de um balanço hídrico negativo após a extubação em pacientes com
disfunção sistólica pode ter o potencial de mitigar a falha final de extubação.
Dentre
as limitações deste trabalho destacam-se: o mesmo foi realizado em um único
centro, os desmames foram realizados utilizando PS que reduz o trabalho da
respiração e a pressão de enchimento do VE, em comparação com teste de
respiração espontânea com peça em T. Apesar de a PEEP ter sido sistematicamente
removida para desmascarar disfunção de VE latente, não podemos excluir que o
uso de assistência ventilatória aumentou o papel da disfunção sistólica na
subsequente falha de extubação; a principal limitação do estudo é o pequeno
número de pacientes com falha de extubação. De fato, fracasso de extubação
planejada é relativamente incomum; na maior pesquisa sobre desmame realizada
por Peñuelas e colaboradores, publicada na American Journal Respiratory
Critical Care Medicine em 2011, o número de pacientes que necessitaram de
reintubação representavam apenas 7% de todos os pacientes entubados na UTI.
Portanto, uma grande rede de vários centros ajudaria na identificação com maior
precisão dos fatores de risco para falha de extubação.
Então,
as três variáveis identificadas neste estudo foram fortemente associadas à
falha de extubação. Avaliação cuidadosa da força da tosse e da FEVE antes da
extubação, especialmente em pacientes que receberam ventilação mecânica
prolongada, poderia permitir uma melhor identificação dos pacientes de alto
risco de insucesso de extubação, podendo alguns dos quais se beneficiarem da
VNI profilática e/ ou diuréticos no período pós-extubação. Em minha vivência na
terapia intensiva, tenho percebido o impacto dessas três variáveis em destaque
no estudo; o tempo de ventilação mecânica prolongado, trazendo todas as suas
implicações na lesão diafragmática e pulmonar, como já descrito anteriormente
em artigos e até em resenhas publicadas pelo grupo FITI, nos chama à atenção
para retirada da prótese ventilatória o mais cedo possível, o que, a meu ver,
não seria precoce (como muitos chamam), já que o sentido do termo quer dizer
antes do tempo certo; em relação a pacientes com insuficiência cardíaca
congestiva, a experiência tem mostrado a importância de se ter um
acompanhamento do balanço hídrico a fim de zerar ou negativar o mesmo para que
haja uma diminuição da sobrecarga cardíaca, a qual também é minimizada com o uso
da pressão positiva (que, assim que possível, será descontinuada); temos tido
sucesso com a substituição da ventilação mecânica invasiva pela não-invasiva de
maneira contínua até que haja o ajuste de drogas (diuréticos, inotrópicas...)
em busca de uma melhor função cardíaca para, aí então, descontinuar a VNI.
Portanto, todos os marcadores que tenham impacto na diminuição da falha de
extubação não devem ser negligenciados, pois, reintubação aumenta mortalidade.
Rodrigo
A. Arruda – Fisioterapeuta.
“Risk
Factors for and Prediction by Caregivers of Extubation Failure in ICU Patients:
A rospective Study*” Arnaud W. Thille, MD, PhD1,2,3;
Florence Boissier, MD3; Hassen Ben Ghezala, MD3; Keyvan Razazi, MD3; Armand
Mekontso-Dessap, MD, PhD3; Christian Brun-Buisson, MD3; Crit Care Med 2015; 43:613–620.