terça-feira, 28 de junho de 2016

HEMODIÁLISE CONTÍNUA: MOBILIZAR?

HEMODIÁLISE CONTÍNUA: MOBILIZAR? 

Intervenções da fisioterapia em pacientes críticos são geralmente seguras e melhoram o funcionamento físico e os resultados dos pacientes. No entanto, poucos dados foram relatados acerca das intervenções de fisioterapia na presença de terapia de reposição renal contínua (TRRC). Existem inúmeros riscos percebidos em torno da reabilitação física de pacientes submetidos a esta terapia, incluindo instabilidade hemodinâmica, deslocamento e hemorragia no local do cateter e interrupções do fornecimento da terapia. Um estudo observacional e prospectivo, publicado por Dale M. Needham e colaboradores na American Thoracic Society em 20 de janeiro deste ano com o título “Feasibility and Safety of Physical Therapy during Continuous Renal Replacement Therapy in the Intensive Care Unit”, teve por objetivo analisar prospectivamente a viabilidade e segurança das intervenções de fisioterapia na UTI em pacientes submetidos à TRRC. Enquanto os pacientes estavam recebendo a terapia, fisioterapeutas forneciam intervenções individualizadas de reabilitação. Um protocolo de mobilização não foi utilizado; No entanto, as intervenções para cada paciente foram progredindo com base na tolerância à atividade da seguinte forma: exercícios no leito (ou seja, passivo, ativo-assistido, ou ativo); ciclo-ergometria no leito; sentado a beira da cama; em pé; transferência para uma cadeira; e marcha estática. Por exemplo, se um paciente foi capaz de, ativamente, realizar exercícios em decúbito dorsal, sem instabilidade hemodinâmica, o terapeuta promovia o progresso do paciente para tentar sentar e fazer transferências, e assim por diante com base na habilidade e resposta do doente. Para cada sessão, o fisioterapeuta documentava o mais alto nível de mobilidade. Os 57 pacientes incluídos no estudo realizaram um total de 268 sessões de fisioterapia durante o período de avaliação de 13 meses. Sessões de fisioterapia foram realizadas por 11 diferentes fisioterapeutas com níveis de experiência que variam de 6 meses a 16 anos de prática. Mais da metade das sessões de fisioterapia ocorreram simultaneamente à ventilação mecânica. O maior nível de mobilidade alcançada incluiu 78 (29%) exercícios no leito, 72 (27%) ciclo-ergometria no leito, 80 (30%) beira de leito, 20 (7%) em pé, 13 (5%) transferência para cadeira, e 5 (2%) marcha estática. Houveram apenas seis relatos de intercorrências, representando 2,2% de todas as 268 sessões de fisioterapia. Todos foram hipotensão (PAM <55 mmHg). Um único evento ocorreu em dois pacientes, enquanto os quatro eventos restantes ocorreram em um mesmo paciente. O último paciente já era hipotensor cronicamente, com a equipe médica aprovando intervenções de fisioterapia, apesar da hipotensão. Em apenas uma vez houve um pequeno aumento na dosagem do vasopressor para gerir a hipotensão. Assim, estes dados sugerem que a fisioterapia em pacientes submetidos à TRRC parece segura como parte dos cuidados de rotina na UTI. Estudos clínicos têm mostrado repetidamente que a mesma é viável e benéfica para melhorar a função física e os resultados neste perfil de pacientes. Lesão renal aguda pode afetar até 25% destes e muitas vezes a terapia de reposição renal contínua é encarada como um empecilho à realização da mobilização, o que pode comprometer os desfechos na recuperação física dos pacientes. Embora esta análise retrate uma avaliação de um único centro de 57 pacientes com um total de 268 sessões de fisioterapia, ela representa um complemento importante para a literatura existente, que inclui dois outros estudos e um ensaio clínico. No entanto, 11 fisioterapeutas diferentes, com uma vasta variedade de níveis de experiência, durante este período de 13 meses de avaliação, favorece a generalização. Outra questão a ser considerada foi o fato do estudo não seguir um protocolo para a realização das sessões de fisioterapia, o que pode limitar sua replicação, mas acrescenta também à sua generalização para o ambiente clínico. Os dados referentes à atividade ativa versus atividade passiva durante os exercícios de cama e ciclo-ergometria também não estão disponíveis. No trabalho foram registradas apenas quatro sessões de fisioterapia com um cateter femoral de hemodiálise, e as conclusões sobre a segurança da atividade com cateteres femorais são limitadas. Estudos que avaliam o nível da mobilidade como um fator de bom prognóstico na UTI podem ser de grande valia. Neste contexto, a mobilização é viável e parece ser segura em pacientes de UTI que são submetidos à terapia de reposição renal contínua. 
Dito isto, muitas vezes deparo-me com evoluções de colegas justificando a não realização da mobilização por vários e vagos motivos, os quais considero, no mínimo, sem embasamento científico: “paciente com droga vasoativa”, “paciente com leuco em ascensão”, “paciente com hemoglobina baixa”, “paciente com plaqueta baixa”, “paciente em hemodiálise”, dentre outros. Não são considerados o contexto e nem sequer qual tipo de mobilização pode-se empregar, com qual intensidade e em quais situações. Por outro lado, tem-se comentado acerca dos reais benefícios da mobilização (já bastante difundidos e estudados) em contraponto com o uso da mesma como uma estratégia de “marketing” em alguns casos. “Marketing”? Sim, “Marketing”! Situações onde a dosimetria e a indicação inadequadas da terapia pode torná-la mais prejudicial do que benéfica. Desta maneira, não quero ser pessimista quanto à utilização da mobilização, pelo contrário, quero levantar a bandeira da mesma, a qual é a nossa práxis, defendendo o uso desta ferramenta terapêutica no tempo certo e não precoce, na dose correta e com a indicação adequada. Com isso minimizaremos as “desculpas” da não realização da mobilização e os benefícios certamente aparecerão sem a necessidade de estratégias de “marketing”. Enfim, mais trabalho de qualidade e menos blá, blá, blá...! 
Rodrigo Arruda – Fisioterapeuta.
Amy L. Toonstra, Jennifer M. Zanni, C. John Sperati, Archana Nelliot, Earl Mantheiy, Elizabeth H. Skinner, Dale M. Needham. Feasibility and Safety of Physical Therapy during Continuous Renal Replacement Therapy in the Intensive Care Unit.. American Thoracic Society. January, 2016.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Fisioterapia e paliação: temos algo a fazer?

Fisioterapia e paliação: temos algo a fazer?

A história dos cuidados paliativos inicia-se por volta do séc. V, quando Fabíola, discípula de São Jerônimo, cuidava de peregrinos no Porto de Roma provenientes da Ásia e África, num local com toques de albergue mas já exercendo algumas características de um Hospice. No séc. XIX, muitas organizações religiosas deram continuidade a esses locais para tratamento de enfermidades crônicas. Em 1967, Cicely Sanders funda o St. Christopher´s Hospice, mas em apenas 1980 a Organização Mundial de Saúde publica o que seria o primeiro conceito de cuidados paliativos: “Cuidado ativo e total para pacientes cuja doença não é responsiva a tratamento de cura. O controle da dor, de outros sintomas e de problemas psicossociais e espirituais é primordial. O objetivo é proporcionar a melhor qualidade de vida possível para o paciente e familiares”, ou seja, o local de cuidados paliativos existiu, antes do mesmo, enquanto conceito.
Em 2008, a dra. Moritz e demais pesquisadores publicaram uma interessante revisão sobre o tema dentro da realidade da terapia intensiva, relacionando os princípios fundamentais dos cuidados paliativos dos quais destaco: “ garantir qualidade da vida e do morrer” e “aliviar a dor e sintomas associados”.
Tendo em vista esses dois princípios especificamente, acredito que a fisioterapia possa beneficiar e muito pacientes sob cuidados paliativos. Em 2005, na revista brasileira de cancerologia, foi publicada uma revisão enfatizando o papel da fisioterapia no paciente com câncer onde destaca-se: a atuação contra os quadros álgicos; condições osteomioarticulares adversas (contraturas, espasmos, encurtamentos, rigidez articular etc.). Acredite, vivemos na era da mobilização.
Muitas vezes essas disfunções são consequências não diretamente da enfermidade gatilho da paliação, mas pelo simples fato do paciente encontrar-se mais depressivo, acamado, restrito ao leito, imerso na tal síndrome do imobilismo. Com atuação também na dispnéia, função tóraco-diafragma-pulmonar, e no desmame da assistência ventilatória, a conduta fisioterapêutica deve ser estimulada.
Entretanto, cabe uma reflexão: se o que nós fisioterapeutas no intuito dar mais qualidade no fim da vida, estamos causando dor, desconforto ou mesmo o paciente está tão grave que o seu quadro terminal (instabilidade latente, dor ao extremo, uso de drogas vasoativas em doses extremas, etc.) já contra-indica qualquer abordagem, acredita-se melhor seguir com o curso natural da vida não sendo necessário qualquer conduta.
Num estudo retrospectivo de 3 anos, com pacientes idosos graves em cuidados paliativos definidos, avaliando-se o pós extubação dos mesmos, demonstrou-se como resultados uma sobrevida variando de 4 minutos a 7 dias após a extubação, onde 77% dos pacientes faleceram no hospital,  e os únicos fatores associados à morte precoce foram a pressão arterial sistólica inferior a 90 mmHg (p = 0,002) e um índice de comorbidades de Charlson desfavorável (p = 0,002 ). Entretanto destaca-se os 23% dos pacientes que extubados, receberam alta hospitalar. Este estudo embora retrospectivo, aponta para uma vertente no reestabelecimento da qualidade de vida, considerando inclusive um contexto muito ousado enquanto conduta como a extubação. Em muitos locais, este tipo de paciente pode estar sacramentado ao seu leito nos seus últimos dias, sem perspectiva de desmame e sem ao menos ser mobilizado.
Alexandre Roque – Fisioterapeuta
Referências:

1-End of life and palliative care in intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2008; 20(4): 422-428.
2-O papel da fisioterapia nos cuidados paliativos a pacientes com cânce. Revista Brasileira de Cancerologia 2005; 51(1): 67-7.
3-How long does (s)he have? Retrospective analysis of outcomes after palliative extubation in elderly, chronically critically ill patients. Crit Care Med, 2016; 44:1138–1144.   

terça-feira, 14 de junho de 2016

O treinamento muscular respiratório não dá resultado? por quê?

O treinamento muscular respiratório não dá resultado? Por quê?

A disfunção diafragmática (DD) tem sido largamente estudada desde os primeiros trabalhos com animais (Anzueto ???), até trabalhos atuais mostrando que realmente esta condição está presente na terapia intensiva, mais que se pensava. A DD está associada a desfechos não satisfatórios, tais como: dificuldade de desmame; aumento do tempo de ventilação mecânica, aumento do tempo de internamento em UTI, aumento do risco de pneumonia associada a ventilação mecânica. Alguns fatores estão relacionados de forma mais estreita com esta disfunção, podendo ser a mesma secundária à polineuromiopatia do doente crítico; lesão muscular induzida pelo ventilador por conta da atrofia com redução de força e “endurance”, sendo o segundo fator o de acometimento mais rápido, em 2008 trabalho publicado por Levine et al., mostrou que em humanos com períodos variando de 18 a 69 horas de ventilação mecânica, já existia alterações significativas nas fibras de contração rápida e de contração lenta, com redução da área de secção transversa, desta forma se instalando em pouco tempo a denominada lesão muscular induzida pelo ventilador, caracterizada por alteração do MuRF-1MBD4, caspase-3 e estresse oxidativo através do antioxidante glutationa e dissociação protéica pela caspase, sugerindo assim proteólise muscular durante a ventilação mecânica. Diante do exposto nos parece que o treinamento muscular respiratório (TMR) tem lugar no arsenal terapêutico para estes pacientes críticos, mas qual o motivo de algumas vezes o nosso treinamento não apresentar resultados satisfatórios?
Primeiramente, copiando o trabalho que utilizei na resenha anterior, quero iniciar com algumas perguntas que precisamos fazer para buscar resultados satisfatórios: 

Estou indicando o TMR para o paciente correto?
Quando iniciar o TMR?
Como estou realizando o TMR?
Por quanto tempo devo manter o TMR para ter resultado?

Estas perguntas definem se o resultado do seu protocolo será satisfatório ou não, quando se pensa em treinamento muscular respiratório específico como facilitador do processo de desmame.
Condessa et al. em 2013 mostraram que o TMR com carga linear igual a 40% da PImáx, resultou em redução do IRRS (diferença de 21 ipm/l) antes e pós treinamento. Cader et al. em 2013 mostraram que o TMR também com carga linear melhorou significativamente a PImáx do grupo treinado comparando pré e pós, assim como também a variabilidade do IRRS foi menor no grupo treinamento, quando comparado os valores de pré e pós teste de respiração espontânea; O número de sucesso no desmame foi maior no grupo treinamento e de insucesso maior no grupo controle; O tempo de suporte ventilatório não invasivo foi maior no grupo controle comparado ao grupo treinamento. Uma revisão sistemática publicada em 2015 por Elkins et al. mostrou que o TMR obteve resultado favorável quando avaliado a melhora da PImáx, o IRRS, e o sucesso de desmame na população que apresentava dificuldade de desmame.
Diante do exposto podemos verificar o seguinte para responder as perguntas iniciais:
O TMR não se aplica para a população de forma geral, tendo sua indicação para os pacientes de maior idade o que ocorreu no trabalho do Cader et al. A indicação de treinamento visando otimizar o desmame, até o momento só tem respaldo na literatura para aqueles pacientes que apresentam desmame difícil, desta forma o treinamento indiscriminado não apresenta resultados satisfatórios para o desfecho desmame do ventilador. 
O treinamento deverá ser iniciado após o diagnóstico da disfunção muscular existente, iniciar treinamento de forma empírica não melhora desfecho.
O diagnóstico fisioterapêutico determinará o treinamento específico de endurance e ou de força da musculatura respiratória, a manovacuometria é decisiva para que seja norteado o TMR visto que deverá ser respeitado o princípio da especificidade e da sobrecarga de treinamento. 
Não existe resultado de treinamento muscular respiratório específico em dois dias, os trabalhos relatam resultados em tempo maior, entre sete e nove dias de treinamento. Assim como também a repetição da manovacuometria deve ser realizada periodicamente para que se possa ajustar a carga de treinamento.
Desta maneira o diagnóstico fisioterapêutico é a base para o resultado satisfatório do treinamento muscular respiratório, quando bem indicado e bem executado para um desfecho lógico , o resultado almejado será conseguido.  
Dr. Wlildberg Alencar.

Levine S et al. Rapid Disuse Atrophy of Diaphragm Fibers in Mechanically Ventilated Humans. N Engl J Med 2008; 358:1327-1335.
Condessa RL et al. Inspiratory muscle training did not accelerate weaning from mechanical ventilation but did improve tidal volume and maximal respiratory pressures: a randomised trial. J Physiother. 2013; 59(2):101-7
Cader SA, et al. Extubation process in bed-ridden elderly intensive care patients receiving inspiratory muscle training: a randomized clinical trial. Clin Interv Aging. 2012; 7: 437–443.
Elkins M, Dentice R. Inspiratory muscle training facilitates weaning from mechanical ventilation among patients in the intensive care unit: a systematic review Journal of Physiotherapy 2015; 61: 125–134

Dr. Wildberg Alencar