HEMODIÁLISE CONTÍNUA: MOBILIZAR?
Intervenções da fisioterapia em pacientes críticos são geralmente seguras e melhoram o funcionamento físico e os resultados dos pacientes. No entanto, poucos dados foram relatados acerca das intervenções de fisioterapia na presença de terapia de reposição renal contínua (TRRC). Existem inúmeros riscos percebidos em torno da reabilitação física de pacientes submetidos a esta terapia, incluindo instabilidade hemodinâmica, deslocamento e hemorragia no local do cateter e interrupções do fornecimento da terapia. Um estudo observacional e prospectivo, publicado por Dale M. Needham e colaboradores na American Thoracic Society em 20 de janeiro deste ano com o título “Feasibility and Safety of Physical Therapy during Continuous Renal Replacement Therapy in the Intensive Care Unit”, teve por objetivo analisar prospectivamente a viabilidade e segurança das intervenções de fisioterapia na UTI em pacientes submetidos à TRRC. Enquanto os pacientes estavam recebendo a terapia, fisioterapeutas forneciam intervenções individualizadas de reabilitação. Um protocolo de mobilização não foi utilizado; No entanto, as intervenções para cada paciente foram progredindo com base na tolerância à atividade da seguinte forma: exercícios no leito (ou seja, passivo, ativo-assistido, ou ativo); ciclo-ergometria no leito; sentado a beira da cama; em pé; transferência para uma cadeira; e marcha estática. Por exemplo, se um paciente foi capaz de, ativamente, realizar exercícios em decúbito dorsal, sem instabilidade hemodinâmica, o terapeuta promovia o progresso do paciente para tentar sentar e fazer transferências, e assim por diante com base na habilidade e resposta do doente. Para cada sessão, o fisioterapeuta documentava o mais alto nível de mobilidade. Os 57 pacientes incluídos no estudo realizaram um total de 268 sessões de fisioterapia durante o período de avaliação de 13 meses. Sessões de fisioterapia foram realizadas por 11 diferentes fisioterapeutas com níveis de experiência que variam de 6 meses a 16 anos de prática. Mais da metade das sessões de fisioterapia ocorreram simultaneamente à ventilação mecânica. O maior nível de mobilidade alcançada incluiu 78 (29%) exercícios no leito, 72 (27%) ciclo-ergometria no leito, 80 (30%) beira de leito, 20 (7%) em pé, 13 (5%) transferência para cadeira, e 5 (2%) marcha estática. Houveram apenas seis relatos de intercorrências, representando 2,2% de todas as 268 sessões de fisioterapia. Todos foram hipotensão (PAM <55 mmHg). Um único evento ocorreu em dois pacientes, enquanto os quatro eventos restantes ocorreram em um mesmo paciente. O último paciente já era hipotensor cronicamente, com a equipe médica aprovando intervenções de fisioterapia, apesar da hipotensão. Em apenas uma vez houve um pequeno aumento na dosagem do vasopressor para gerir a hipotensão. Assim, estes dados sugerem que a fisioterapia em pacientes submetidos à TRRC parece segura como parte dos cuidados de rotina na UTI. Estudos clínicos têm mostrado repetidamente que a mesma é viável e benéfica para melhorar a função física e os resultados neste perfil de pacientes. Lesão renal aguda pode afetar até 25% destes e muitas vezes a terapia de reposição renal contínua é encarada como um empecilho à realização da mobilização, o que pode comprometer os desfechos na recuperação física dos pacientes. Embora esta análise retrate uma avaliação de um único centro de 57 pacientes com um total de 268 sessões de fisioterapia, ela representa um complemento importante para a literatura existente, que inclui dois outros estudos e um ensaio clínico. No entanto, 11 fisioterapeutas diferentes, com uma vasta variedade de níveis de experiência, durante este período de 13 meses de avaliação, favorece a generalização. Outra questão a ser considerada foi o fato do estudo não seguir um protocolo para a realização das sessões de fisioterapia, o que pode limitar sua replicação, mas acrescenta também à sua generalização para o ambiente clínico. Os dados referentes à atividade ativa versus atividade passiva durante os exercícios de cama e ciclo-ergometria também não estão disponíveis. No trabalho foram registradas apenas quatro sessões de fisioterapia com um cateter femoral de hemodiálise, e as conclusões sobre a segurança da atividade com cateteres femorais são limitadas. Estudos que avaliam o nível da mobilidade como um fator de bom prognóstico na UTI podem ser de grande valia. Neste contexto, a mobilização é viável e parece ser segura em pacientes de UTI que são submetidos à terapia de reposição renal contínua.
Dito isto, muitas vezes deparo-me com evoluções de colegas justificando a não realização da mobilização por vários e vagos motivos, os quais considero, no mínimo, sem embasamento científico: “paciente com droga vasoativa”, “paciente com leuco em ascensão”, “paciente com hemoglobina baixa”, “paciente com plaqueta baixa”, “paciente em hemodiálise”, dentre outros. Não são considerados o contexto e nem sequer qual tipo de mobilização pode-se empregar, com qual intensidade e em quais situações. Por outro lado, tem-se comentado acerca dos reais benefícios da mobilização (já bastante difundidos e estudados) em contraponto com o uso da mesma como uma estratégia de “marketing” em alguns casos. “Marketing”? Sim, “Marketing”! Situações onde a dosimetria e a indicação inadequadas da terapia pode torná-la mais prejudicial do que benéfica. Desta maneira, não quero ser pessimista quanto à utilização da mobilização, pelo contrário, quero levantar a bandeira da mesma, a qual é a nossa práxis, defendendo o uso desta ferramenta terapêutica no tempo certo e não precoce, na dose correta e com a indicação adequada. Com isso minimizaremos as “desculpas” da não realização da mobilização e os benefícios certamente aparecerão sem a necessidade de estratégias de “marketing”. Enfim, mais trabalho de qualidade e menos blá, blá, blá...!
Rodrigo Arruda – Fisioterapeuta.
Amy L. Toonstra, Jennifer M. Zanni, C. John Sperati, Archana Nelliot, Earl Mantheiy, Elizabeth H. Skinner, Dale M. Needham. Feasibility and Safety of Physical Therapy during Continuous Renal Replacement Therapy in the Intensive Care Unit.. American Thoracic Society. January, 2016.