terça-feira, 26 de julho de 2016



FALÊNCIA BIOENERGÉTICA, UMA REALIDADE NÃO VISTA????

Hoje estou abordando um tópico que vem ocupando muitos espaços nas discussões clínicas diárias, artigos científicos, blogs etc, que é disfunção muscular.  Um dos pontos que muito nos incomoda é quando não conseguimos desmamar um paciente do ventilador, sabemos que essa condição aumenta significativamente as complicações na terapia intensiva, estando associada a aumento na incidência de pneumonia associada a ventilação mecânica, lesão pulmonar e muscular.  E, além disso, não encontramos uma justificativa plausível para o insucesso do desmame.  Porém SEPSIS e falência de múltiplos órgãos não são condições raras na evolução dos pacientes críticos na UTI, geralmente estes quadros estão acompanhados de fraqueza muscular adquirida na UTI. Esta disfunção é um dos pontos que devemos levar em consideração para tentar justificar o insucesso do desmame.

Gosto de acreditar na hipótese de que a falha do desmame, seria justificada por uma falência bioenergética. 

Um artigo publicado no ano de 2015 levantou a hipótese de que a falência bioenergética estaria presente na musculatura esquelética dos pacientes com insucesso de desmame e fraqueza muscular adquirida na UTI. 

O estudo fez biopsia do vasto lateral dos pacientes dependente da  AVM  por mais de duas semanas e com fraqueza muscular adquirida na UTI (MCR <48). 
Os resultados mostraram redução de aproximadamente 54% (7.6 no grupo ventilado x 13.9 no grupo não ventilado) na habilidade de síntese do ATP na mitocôndria, por mg de peso muscular, via fosforilação aeróbica. 
Se existe esta disfunção mitocondrial no quadríceps, poderíamos extrapolar estes resultados para a musculatura respiratória que tem presente mais fatores de agressão, pois além dos mesmos que estão envolvidos com a disfunção do quadríceps, some-se a AVM, quando comparado ao quadríceps. 
Desta forma a polineuromiopatia adquirida na UTI é uma fonte de preocupação na evolução dos pacientes críticos na UTI, não só pensando em musculatura periférica, mas também em musculatura respiratória. 

O que fazer para minimizar esta possibilidade? Quais as possibilidades terapêuticas que podemos lançar mão para reduzir a incidência desta condição?

Jiroutkova K et al. Mitochondrial Function in sekeletal muscle of patients with protracted critical illnes and ICU-acquired weakness. 2015;19:448.

MSc. Wildberg Alencar

terça-feira, 19 de julho de 2016

Síndrome Pós Terapia Intensiva – “PICS”

Síndrome Pós-Terapia Intensiva – “PICS”

O termo síndrome pós-terapia intensiva (PICS) foi descrito por Needham et al. (2012) e está associado ao declínio ou o surgimento de novas alterações após a doença crítica nos domínios físico, cognitivo ou mental que persistem por meses ou anos após a alta hospitalar. O aumento da incidência da doença crítica, bem como a redução da mortalidade resultaram em um número crescente de sobreviventes pós unidade de terapia intensiva (UTI) e grande porcentagem com PICS sendo observada a redução na qualidade de vida e a sobrecarga de cuidados dos familiares e dos serviços de saúde.1,2
Alguns mecanismos como a hipóxia, hipotensão, inflamação, desregulação da glicose, catabolismo e deficiências nutricionais podem conduzir a vários prejuízos que interagem entre si além de tratamentos utilizados durante a doença crítica, incluindo intubação endotraqueal, repouso prolongado no leito/imobilização, uso de benzodiazepínicos, outros sedativos e interrupção do ciclo sono-vigília também podem contribuir para a síndrome pós-UTI.  
A fadiga e a fraqueza muscular são os sintomas mais prevalentes e a recuperação da função muscular após doença crítica é muitas vezes incompleta. Em estudos com biópsia muscular foram observadas anormalidades nos músculos esqueléticos de praticamente todos os pacientes em recuperação da doença crítica que incluem neuropatia axonal, denervação, atrofia das fibras, neuropatia inespecífica e miopatia necrosante.3 Em outros, a fraqueza muscular adquirida na UTI foi diagnosticada em 67% dos casos de pacientes ventilados mecanicamente por um período maior que 10 dias 4 e sinais dessa fraqueza podem persistir por até 5 anos em 85% dos pacientes. Os sintomas relacionados aos domínios cognitivo como o dellirium e o mental como a síndrome do estresse pós traumático, a ansiedade e a depressão também são prevalentes em grande parte desses pacientes após a alta da UTI. 5
No período em que o paciente está em ventilação mecânica e restrito ao leito, a assistência fisioterapêutica no cuidado do paciente crítico pode auxiliar na identificação precoce de problemas cinético-funcionais. Nesta fase, o programa de reabilitação incluindo mobilização, eletroestimulação (EENM) e cicloergometria é recomendado como prática crucial e segura para recuperação destes pacientes 6–8. A mobilização é uma intervenção viável e segura e ao ser realizada durante o internamento na UTI promove impacto na funcionalidade após a alta hospitalar.
A resposta muscular à terapêutica , seja por cinesioterapia ou por EENM, pode ser mensurada através da escala de força muscular do Medical Research Council (MRC), a qual é amplamente utilizada para avaliar a força muscular periférica em pacientes críticos. Também pode-se utilizar o dinamômetro para avaliação da força de preensão palmar, a eletroneuromiografia e o ultrassom como testes diagnósticos.
Diante disso, nós como fisioterapeutas devemos aumentar a consciência sobre a síndrome pós terapia intensiva e juntamente com a equipe multidisciplinar realizar uma abordagem de diagnóstico e tratamento mais coordenada e de seguimento durante a estadia na UTI, desde o dia de admissão para tentar promover impacto na recuperação após doença crítica com objetivo de melhorar a qualidade de vida e funcionalidade nesses pacientes.

Dra. Karoline Richtrmoc
Fisioterapeuta Intensivista

1.        Needham, D. M. et al. Improving long-term outcomes after discharge from intensive care unit: report from a stakeholders’ conference. Crit. Care Med. 40, 502–509 (2012).
2.       Merbitz, N. H., Westie, K., Dammeyer, J. A., Butt, L. & Schneider, J. After critical care: Challenges in the transition to inpatient rehabilitation. Rehabil. Psychol. 61, 186–200 (2016).
3.     Griffith, D. M., Vale, M. E., Campbell, C., Lewis, S. & Walsh, T. S. Persistent inflammation and recovery after intensive care: A systematic review. Journal of Critical Care (2016). doi:10.1016/j.jcrc.2016.01.011
4.       Mirzakhani, H. et al. Muscle weakness predicts pharyngeal dysfunction and symptomatic aspiration in long-term ventilated patients. Anesthesiology 119, 389–97 (2013).
5.     Parker, A., Sricharoenchai, T. & Needham, D. M. Early Rehabilitation in the Intensive Care Unit: Preventing Physical and Mental Health Impairments. Curr. Phys. Med. Rehabil. reports 1, 307–314 (2013).
6.      Morris, P. E. et al. Early intensive care unit mobility therapy in the treatment of acute respiratory failure. Crit. Care Med. 36, 2238–2243 (2008).
7.       Ricks, E. Critical illness polyneuropathy and myopathy: a review of evidence and the implications for weaning from mechanical ventilation and rehabilitation. Physiotherapy 93, 151–156 (2007).
8.       Stiller, K. Safety Issues That Should Be Considered When Mobilizing Critically Ill Patients. Crit. Care Clin. 23, 35–53 (2007).


Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21946660

terça-feira, 5 de julho de 2016

Manobras de Recrutamento e Titulação de PEEP beneficiam apenas pacientes com SDRA?

Manobras de Recrutamento e Titulação de PEEP beneficiam apenas pacientes com SDRA?

A Manobras de Recrutamento e titulação da PEEP ideal em pacientes com SDRA é aceita e bem difundida no meio clínico. Varios trabalhos recentes publicados por Amato e colaboradores e o Consenso na conferência de SDRA, comprovaram os benefícios dessas condutas como parte do arsenal de ventilação protetora, no entanto tais condutas beneficiam apenas este grupo de pacientes?
Pirrone et al em um estudo publicado este ano, avaliaram se as manobras de recrutamento alveolar e titulação da PEEP são necessárias para melhorar os volumes pulmonares e as propriedades elásticas dos pulmões, levando a uma melhora nas trocas gasosas em pacientes com obesidade mórbida (índice de massa corporal médio foi de 50,7 ± 16,0 kg/m²).

Este estudo avaliou dois métodos de titulação de PEEP (PEEP titulada de forma decremental e PEEP titulada através de medidas da pressão esofágica); ambos os ensaios foram realizados utilizando titulação de PEEP e Manobras de Recrutamento sendo mensurado a hemodinâmica e a mecânica respiratória. As medições foram feitas com a 
PEEP ajustada pela equipe da UTI (PEEP linha de base), PEEP em zero, melhor PEEP ajustada através de medida da pressão esofágica antes e depois de uma manobra recrutamento, a melhor PEEP identificada de forma decremental após recrutamento e a melhor PEEP decremental com  a cabeça de cama elevada a 30 graus.

As principais conclusões deste estudo podem ser resumidas da seguinte forma:
1. A PEEP Selecionado pela equipe da UTI é menor do que PEEP quando titulada, resultando em baixos volumes pulmonares e  ciclos de pressão transpulmonar com valores negativos  favorecendo a atelectasia.
2. A elastância da parede torácica em pacientes com obesidade mórbida não é aumentada e não é afetada pelo recrutamento de pulmão na definição da PEEP ideal.
3. Manobras de Recrutamento aumentam os volumes pulmonares expiratório e melhoraram a elastância do sistema respiratório aumentando significativamente a oxigenação.
4. A determinação da PEEP ideal em pacientes obesos seguido de uma Manobra de Recrutamento não é significativamente diferente feita de forma decremental ou ajustada através de medidas da pressão esofágica.
5. Elevação da cabeceira da cama aumenta volumes pulmonares expiratório e reduz o nível de PEEP ideal.

Os pacientes obesos mórbidos são caracterizados por reduções de capacidade pulmonar total, da capacidade residual funcional (CRF) e capacidade vital. Baixa CRF aumenta o risco de limitação do fluxo expiratório e fechamento precoce das vias aéreas. A limitação do fluxo expiratório pode levar ao aprisionamento de gás, resultando em Auto-PEEP e hiperinflação pulmonar dinâmica, duas fontes comuns de aumento do trabalho respiratório e assincronia paciente-ventilador. A redução da CRF em pacientes com obesidade mórbida é devido ao deslocamento cefálico do diafragma causado pelo peso do conteúdo intra-abdominal, resultando em colapso do tecido pulmonar em zonas do pulmão dependentes.

Tem sido observado que a Pressão transpulmonar (diferença entre a pressão nas vias aéreas e pleural pressão) é frequentemente negativo em pacientes obesos, resultando em atelectasia . Nesses tipos de pacientes, que são submetidos à ventilação mecânica, a manobra de recrutamento abre unidades alveolares que podem estar colapsadas e a titulação da PEEP estabiliza o volume pulmonar mantendo às trocas gasosas. Nesse contexto  a PEEP tem um papel importantíssimo, de corresponder aos níveis de auto-PEEP para melhor a mecânica respiratória, as trocas gasosas e minimizar a limitação do fluxo expiratório, sem aumentar a pressão de platô. Além disso, a adoção da posição sentada tem sido adotada para reduzir o nível de PEEP necessário para reverter a limitação do fluxo expiratório e restaurar a CRF. 

Desta forma,  pacientes com obesidade mórbida ventilados mecanicamente,  a  implementação de Manobras de recrutamento, seguidas por titulação PEEP, parece ser uma boa estrategia de ventilatória para melhorar a mecânica respiratória e as trocas gasosas.

Referência
Pirrone M, Fisher D, Chipman D, Imber DA, Corona J, Mietto C, et al. Recruitment maneuvers and positive end-expiratory pressure titration in morbidly obese ICU patients. Crit Care Med 2016;44(2):300-307. 

Dr.Rodrigo Rios
Fisioterapeuta