Desmamados da ventilação mecânica, porém cansados!
Pacientes em unidade de terapia intensiva (UTI) frequentemente experimentam perda de massa muscular periférica e essas mudanças são detectáveis muito rapidamente. Da mesma maneira também ocorre proteólise no diafragma, manifestando-se como uma redução na pressão inspiratória máxima (PIM). A fraqueza resultante do diafragma é um potencial contribuinte para dificuldade de desmame da ventilação mecânica. No entanto, poucos estudos têm medido a resistência funcional do diafragma neste grupo de doentes. Em 2005 Chang e colaboradores demonstraram que resistência muscular respiratória é prejudicada por algum tempo após o desmame bem sucedido da ventilação mecânica. Além disso, endurance prejudicada está negativamente associado com maior duração de ventilação mecânica. É plausível que dificuldade em respirar, secundária à residual fraqueza dos músculos respiratórios, possa ter impacto no estado funcional dos sobreviventes de UTI. Por conseguinte, é
importante estabelecer a relação entre a fraqueza dos músculos respiratórios e a função física em pacientes de UTI. No contexto da mobilização de pacientes em cuidados intensivos, a dispneia do paciente ou taxa de esforço percebido durante o exercício é provavelmente relacionado com fraqueza muscular inspiratória. Um estudo observacional e prospectivo, feito em Canberra na Austrália, entre Fevereiro de 2011 e Dezembro de 2013 em uma unidade de terapia intensiva onde o padrão de atendimento é a prática de mínima sedação e mobilização precoce, analisou 43 pacientes ventilados durante 7 dias ou mais, após extubados com sucesso durante 48h. Onde o objetivo foi responder às seguintes questões: 1. Em pacientes de terapia intensiva que foram recentemente desmamados a partir de 7 dias ou mais de ventilação mecânica, a resistência muscular inspiratória é prejudicada? 2. Existe uma relação entre a fraqueza muscular inspiratória, estado funcional e esforço percebido pelo paciente após o sucesso no desmame do ventilador? A principal medida foi a resistência muscular inspiratória, medido como o Índice de resistência à fadiga (IRF). Usando o mesmo protocolo descrito anteriormente por Chang e colegas, este teste compara a pressão inspiratória máxima (PIM) antes e depois de um desafio de treinamento de 2 minutos, onde os pacientes respiram através de uma resistência de 30% da PIM. O IRF é calculado com a divisão da PIM pós-desafio pela PIM pré-desafio (pontuação <1,00 indica a presença de fadiga). As medidas secundárias incluem taxa de percepção de esforço dos pacientes (TPE), utilizando uma escala modificada de Borg (0 - 10) que tem confiabilidade aceitável e validade em pacientes de UTI. Os pacientes auto relataram sua TPE tanto no repouso como durante o pico de exercício. Como o pico de exercício variou entre pacientes dependendo da capacidade, os mesmos foram solicitados a relatar o maior esforço que experimentaram durante qualquer forma de exercício no dia da medição. A Função global foi medida por fisioterapeuta treinado usando o Acute Care Index of Function (ACIF). Dos 43 pacientes incluídos no estudo, o tempo médio de ventilação foi de 10,8 dias, com a maioria dos pacientes ventilados em modo espontâneo (pressão de suporte) o qual também foi utilizado por um maior período durante o tempo total de ventilação (média de 8,9 dias). Os outros dois modos de ventilação utilizados foram ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV) e ventilação por pressão controlada (PCV). A sedação foi usada em todos os pacientes (predominantemente propofol), com um período sem sedação de 4,8 dias. Nos resultados encontrados, houve grande variabilidade no nível funcional (pontuação ACIF), que vão 8-92 (média de 40,3). Embora a média de IRF fosse abaixo de 1,0 (0,90, 0,319 SD), houve disseminação considerável na amostra, de tal modo que 15 (37%) pacientes pontuaram inferior a 0,80, enquanto que 4 (10%) pontuaram acima de 1,20, incluindo um isolado em 2,0. PIM foi significativamente correlacionada com IRF. Houve uma tendência positiva fraca, mas não significativa correlação entre os escores da PIM e escores funcionais (ACIF) (R = 0,243, P = 0,121). Dos 43 pacientes, 17 (40%) relataram uma TPE maior que zero no descansar e a TPE em repouso foi fortemente correlacionada com TPE durante exercício (r = 0,78, p <0,01). Os achados deste estudo fornecem evidências adicionais de que a resistência muscular inspiratória é muitas vezes prejudicada em pacientes de UTI que foram recentemente desmamados da ventilação mecânica de pelo menos 7 dias de duração, mesmo se os pacientes foram ventilados predominantemente com modos espontâneos. Contudo não parece haver uma relação estreita entre fraqueza muscular inspiratória e taxa de percepção de esforço neste coorte. Os valores encontrados em relação a resistência à fadiga prejudicada (IRF 0,90) dentro de 48 h de desmame da ventilação mecânica são consistentes com achados anteriores. Chang e colaboradores demonstraram uma média de IRF de 0,88 em um grupo de 20 sujeitos que tinham sido ventilados por um período médio de 4,6 dias, e foram acompanhados, em média, 7 dias após o desmame. A consistência na magnitude observada do déficit de IRF sugere que prejuízos na resistência à fadiga podem ser principalmente atribuíveis às mudanças que ocorrem dentro dos primeiros dias de ventilação, ao invés de seguir o desmame. Esta alteração precoce seria consistente com estudos anteriores (já citados aqui na página) que mostram proteólise diafragmática ocorrendo dentro de poucas horas de ventilação controlada e recentes estudos demonstrando redução da área de secção transversal da fibra muscular e redução da
proporção de proteínas de DNA (29%) em músculos esqueléticos nos primeiros 3 dias de admissão na UTI. Não é de surpreender que as pontuações do TPE em repouso foram fortemente correlacionados com pontuação TPE durante o exercício. Um paciente que refere falta de ar em repouso é altamente provável que se sentem mais angustiados durante o esforço, quando a demanda metabólica de oxigênio aumenta. Neste estudo, 40% dos pacientes relataram um TPE maior do que zero em repouso indicando um trabalho elevado da respiração. No entanto, foi inesperado que as pontuações da TPE foram apenas fracamente correlacionadas com a resistência à fadiga, pois era esperado que a má resistência à fadiga inspiratória se manifestaria com um aumento da percepção do esforço e com aumento do trabalho da respiração durante o exercício. Isto pode ter relação com o fato de alguns indivíduos terem dificuldade em usar a Escala de Borg Modificada, ou que a mesma não é suficientemente sensível para detectar relações a este nível. A falta de correlação entre PIM e função também poderia ser parcialmente explicado por déficits no controle motor. Enquanto inatividade leva à proteólise muscular precoce, é altamente provável que também afete a programação neural. Em estudos de treinamento muscular inspiratório específico, as primeiras aparentes melhorias nas pontuações de PIM (por exemplo, dentro de 2 semanas de treinamento) poderiam ser atribuídas a mais eficiente programação motora em vez de hipertrofia muscular específica (4). Assim, é provável que não há uma relação linear simples entre força e função, e fatores neurais devem ser consideradas em estudos futuros. Como 60% dos pacientes neste estudo avaliaram seu esforço percebido como zero durante o exercício, também é possível que "pico do exercício” foi de intensidade insuficiente para desafiar a musculatura inspiratória. Se estes pacientes recém-desmamados não percebem qualquer aumento de esforço, a intensidade de treinamento pode ser inadequada. Mesmo em uma UTI, onde o início o quanto antes da mobilização é o padrão de cuidado, podemos ainda perceber e determinar as limitações do exercício em doentes críticos. No entanto, o esforço percebido pelo paciente é provável que seja um importante determinante da capacidade de exercício. Em atletas trabalhando no pico do exercício, o rendimento do exercício pode ser limitado pela percepção de esforço, mesmo na ausência de biomarcadores periféricos de fadiga (3). A evidência de que essa percepção de esforço é modificável em atletas com treinamento dos músculos respiratórios pode também ter implicações para os pacientes de terapia intensiva recentemente desmamados. É possível que os 37% de doentes demonstrando reduzido IRF neste estudo podem se beneficiar de treinamento específico para os músculos inspiratórios. TMI pode acelerar desmame em pacientes idosos de UTI (5), mas a nosso conhecimento isto continua não sendo investigado no período pós-desmame. Esta é uma importante área de pesquisa futura. As limitações deste estudo incluem o fato de que estes resultados podem ser válidos apenas para pacientes de cuidados intensivos que foram desmamados em uma unidade onde mínima sedação e mobilização precoce são a norma. É plausível que as pontuações IRF, PIM e ACIF difeririam consideravelmente em pacientes submetidos à sedação profunda e repouso prolongado no leito (6). Além disso, o fracasso em encontrar correlações entre estas variáveis podem ser atribuídos ao relativamente pequeno tamanho da amostra, embora esta tenha sido maior do que a de trabalhos anteriores. Apesar dessas limitações, a coerência da medida primária (IRF) com estudos anteriores confirma que a prejudicada resistência à fadiga é detectável em pelo menos um terço dos pacientes de cuidados intensivos nos primeiros dias após o desmame. Estes resultados têm implicações para todos os profissionais que trabalham com pacientes de UTI no período imediato pós-desmame. No entanto, em nossa experiência, a TPE não é necessariamente uma barreira à participação na reabilitação precoce na UTI e fisioterapeutas podem trabalhar em conjunto com o restante da equipe para otimizar a capacidade de exercício dos pacientes, mesmo na presença de fraqueza muscular inspiratória. Portanto voltamos ao ciclo: Desmame da pressão positiva assim que possível e mobilização do paciente desde a admissão na UTI (caso não haja contraindicação) com protocolos mais ousados os quais não levem em consideração apenas a taxa de percepção de esforço do paciente, mas considere o máximo número de variáveis possíveis dando subsídio para extrapolarmos as “convenções estabelecidas no senso comum” com um programa cinesioterapêutico mais funcional e eficaz.
Rodrigo Arruda – Fisioterapeuta.
1) Bernie B, Anne L, Robert B, Jennifer P. Weaned but weary: One third of adult intensive care patients mechanically ventilated for 7 days or more have impaired inspiratory muscle endurance after successful weaning. Heart & Lung. 2015; 44: 15-20.
2) Chang AT, Boots RJ, Brown MG, Paratz J, Hodges PW. Reduced inspiratory muscle endurance following successful weaning from prolonged mechanical ventilation. Chest. 2005; 128: 553-559.
3) Edwards AM, Walker RE. Inspiratory muscle training and endurance: a central metabolic control perspective. Int J Sports Physiol Perform. 2009; 4: 122e128.
4) Huang CH, Martin AD, Davenport PW. Effect of inspiratory muscle strength training on inspiratory motor drive and RREP early peak components. J Appl Physiol. 2003; 94: 462-468.
5) Cader SA, Vale RG, Castro JC, et al. Inspiratory muscle training improves maximal inspiratory pressure and may assist weaning in older intubated patients: a randomised trial. J Physiother. 2010; 56: 171-177.
6) Shehabi Y, Bellomo R, Reade MC, et al. Early intensive care sedation predicts long-term mortality in ventilated critically ill patients. Am J Respir Crit Care Med. 2012; 186: 724-731.